Como aplicar a estratégia da Mercedes (Fórmula 1) no seu negócio!
Alguns dos maiores aprendizados do Toto Wolff e da Mercedes, a equipe de Fórmula 1 com a maior sequência de vitórias da história.
Com 8 títulos consecutivos de 2014 até 2021, é indiscutível que a liderança do Toto Wolff, chefe da equipe, transformou a Mercedes-AMG Petronas em uma das melhores equipes da história da Fórmula 1.
Muitas vezes as corridas são decididas por milésimos de segundos, o que faz uma vitória ser extremamente difícil na F1. Tudo, desde a engenharia do carro na fábrica até a temperatura impactam na pista durante o final de semana de corrida. Portanto, uma corrida vencida é resultado do trabalho de uma equipe inteira que consegue coordenar esforços por um objetivo em comum.
No último ano, apenas 4 de 10 equipes diferentes conseguiram conquistar o primeiro lugar (ao longo de 14 corridas). Pontuar nesse esporte já é extremamente complicado, agora imagine manter o mesmo nível para conquistar 8 títulos consecutivos.
Como chefe, o trabalho dele inclui liderar cerca de 1800 pessoas, incluindo os melhores corredores do mundo; engenheiros e mecânicos que desenvolvem e produzem o carro e suas peças; e um grupo diverso de colaboradores que precisam assegurar que tudo aconteça da maneira certa para a equipe poder competir no dia da corrida.
Toto assumiu o cargo em 2013 e é considerado um dos melhores chefes de equipe da história, não só pelos inúmeros títulos, mas por sua liderança constante durante todos esses anos.
E aí, o que o Toto Wolff faz de diferente para conseguir manter a equipe sempre competitiva?
Esse post é uma curadoria do post original em inglês, que você pode ler aqui, combinado com um pouco da nossa visão e experiência sobre o tema.
Esse é um conteúdo da categoria de Leadership, que é um pouco diferente do lado mais business, mas esses assuntos de carreira, visão de mundo e a perspectiva mais humanas são essenciais.
Anita Elberse e David Moreno Vicente tiveram a oportunidade de acompanhar Wolff e a equipe da Mercedes durante alguns finais de semana de corrida. Com o objetivo de estudar o sucesso da operação, puderam assistir a equipe trabalhando na garagem, praticando pit stops e conduzindo reuniões de estratégia de corrida.
O resultado do estudo foram 6 conceitos para que lideranças consigam cultivar suas próprias culturas de equipes altamente produtivas e com entregas exepcionais.
“O mais interessante foi descobrir o quanto as características da liderança de Wolff direcionam as pessoas para a cultura que ele mesmo promoveu” comenta Anite Elberse.
Em algum dos 6 pontos existe uma mensagem que podemos usar em nossas equipes, o que fazemos e como agimos define a empresa que nós lideramos!
[1] Defina padrões de exigência altos - para todos
Wolff é uma pessoa que olha para os mínimos detalhes. Em sua primeira visita a fábrica da Mercedes, ao esperar no lobby de entrada, notou que na sala de espera só havia um jornal da semana anterior e dois copos de papel.
Após a reunião com o antigo chefe da equipe ele disse “ Estou ansioso para trabalhar, mas só uma coisa, a área da recepção não diz “F1” e é por aí que vamos começar se quisermos vencer. É a engenharia que nos faz ganhar”.
Ele não estava errado, mas o começo de tudo é essa atitude e a atenção aos detalhes.
Do lobby de entrada até os banheiros nas facilidades provisórias nos finais de corrida tem padrões e exigências. Será que ele está fazendo microgestão? Até pode ter sido o caso por um tempo, mas tudo é feito com um objetivo em mente.
O objetivo na organização inteira é o mesmo, então a atenção aos detalhes passa uma mensagem importante para a equipe: nenhum trabalho é pequeno demais e todos os envolvidos fazem parte da performance da Mercedes no final de semana de corrida.
“Quando cheguei na garragem 10 anos atrás era tudo bagunçado. Agora limpamos o chão todas as vezes que os carros passam por lá. Você nunca vai ver marcas de pneu, nem ferramentas fora do lugar. Tudo é impecável e organizado, isso claramente afeta como olhamos para os carros também, somos meticuloso”
A mentalidade contribuiu para a organização e para essa obsessão em excelência. Sempre estão elevando seus próprios padrões e definindo o benchmark dentro do esporte.
[2] Coloque as pessoas na frente e no centro
“Eu não faço carros de corrida funcionarem. Apenas coordeno as pessoas que fazem os carros funcionarem.”
Não é segredo que são as pessoas que fazem os negócios prosperarem, então uma organização que coloca as pessoas em foco deveriam ser muito mais comuns.
“Todas as pessoas na equipe tem sonhos, medos, ansidedades. É importante entender o que motiva cada indivíduo”
Ter interesse pelos outros é uma característica fundamental para qualquer situação, mas em um cenário similar com o da Fórmula 1, que envolve vários stakeholders, é ainda mais importante para garantir a sincronia da equipe.
Não temos que lidar necessariamente com pilotos, engenheiros, patrocinadores, mídia e diretores. Mas em nossas respectivas situações, lidamos com partes interessadas diferentes e manter todas elas sincronizadas não é uma tarefa fácil.
Trabalhar com os melhores profissionais da engenharia é sempre um desafio para a gestão. Principalmente quando os líderes não têm o histórico técnico que esses profissionais possuem.
No caso da Mercedes, um dos executivos ressaltou que existem riscos de ficar refém dos engenheiros, como por exemplo em um final de semana de corrida que um problema é encontrado, mas ninguém sabe como resolvê-lo.
“Não são necessariamente os melhores indivíduos que ganham corridas, mas sim a equipe que trabalha melhor junta”.
Finais de semana de corrida são uma montanha-russa de emoções. Como chefe da equipe, principalmente sem entender os detalhes técnicos, é um cenário na qual sentir pressão é muito fácil.
“Não entendo tanto de aerodinâmica quanto os engenheiros, mas quero entendê-los como pessoas, assim consigo identificar a melhor abordagem quando a situação fica complicada e preciso da ajuda deles para resolvê-la.”
O principal esforço é construir rapport com os membors da equipe, para beneficiar a todos. Nesse caso, é extremamente difícil para um engenheiro ser promovido para um cargo de direção técnica e se deparar com a situação de ser liderado por um chefe que não é um engenheiro.
O que o Toto Wolff fez para garantir que essa transição fosse o menos conturbada possível, foi passar muito tempo com os engenheiros da equipe para entender o modo de trabalho deles e o que eles estavam tentando comunicar.
Antes de todas as temporadas, todos os membros que lideram equipes dentro da Mercedes participam de uma reunião para discutir o lado humano do negócio. A visão, valores e ambições da organização são compartilhados para que todos estejam começando com a mesma perspectiva.
Muitas lideranças tentam alguns exercícios para engajar suas equipes é claro, mas o que faz com que o efeito seja efetivo é o acompanhamento da equipe.
Mudar uma cultura não é uma tarefa do dia para a noite, é um processo lento que requere consistência todos os anos. Na Mercedes, existe uma avaliação anual na qual todos os membros refletem sobre sua performance, valores e intenções para a próxima temporada. Com esses dados a equipe consegue guiar as pessoas para o mesmo objetivo.
[3] Analise seus erros - Mesmo quando está tudo dando certo
Entregar resultados com excelência não significa que erros não são cometidos. Quando algo dá errado, Wolff fala a verdade que ninguém quer ouvir. Isso pode ser considerada honestidade brutal, mas quando existe algum problema, ele deve ser discutido.
No Brasil temos uma cultura de feedback extremamente fraca, muitas vezes porque as pessoas entendem a crítica como algo pessoal, quando na verdade deveria ser sobre o trabalho.
O feedback “Essa apresentação poderia ser melhor” pode ser entendido de duas maneiras: a primeira é que a pessoa que fez a apresentação não sabe fazê-la, já convivemos com alguém que encara todas as críticas como afrontas; e a segunda, que deveria ser a comum, é de que a apresentação tem pontos a serem melhorados e que a pessoa deve ter mais atenção nos pontos destacados para melhorar ainda mais seu nível de entrega.
Vencendo ou não, depois de todas as corridas, existe uma reunião de debrief na qual todos os pontos de melhoria são discutidos para a próxima corrida.
“Em uma das corridas, lembro que ficamos surpresos com a nossa velocidade em linhas retas e perguntei para a equipe sobre o que havia acontecido. Não experienciamos um milagre no nosso motor, o que aconteceu? Se não sabemos o que está acontecendo em um dia bom, sem dúvida não vamos entender o que acontece em um dia ruim.“
[4] Cultive uma cultura aberta, sem procurar culpados
Na visão de Wolff, analisar erros não é um trabalho de atribuir culpa. Independente do erro, não importa quem foi o responsável, o foco é resolver o problema.
“Quero que as pessoas da equipe tenham a liberdade para assumir seus erros, assim partimos dos erros e progredimos muito mais rápido. Estou aqui para proteger minha equipe e fazer com cada um se desenvolva.“
Na corrida de Monaco em 2021, o piloto Valtteri Bottas parou para um pitstop e um dos mecânicos ficou responsável por trocar um pneu que estava emperrado. Na hora o tempo estava correndo e todas as tentativas de retirar o pneu não funcionaram, assim Bottas teve que aposentar o carro no meio da corrida.
O pneu estava tão travado que foi preciso mandar o carro para a fábrica no Reino Unido, onde finalmente conseguiram retirá-lo com o uso de ferramentas especiais.
“Aquilo nunca havia acontecido na F1 e o mecânico entrou para a história com o pitstop mais longo da história - 36 horas.
Mais tarde no final da corrida, os jornalistas tentaram culpar o mecânico. Mas Toto se certificou que todos na equipe soubessem que ia proteger o mecânico responsável. Estava mandando uma mensagem de que erros acontecem e devem ser resolvidos. Eles vivem pela filosofia de “Identifique o problema, fale que ele existe e resolva o problema.”
É fácil declarar que sua organização faz isso, mas é o que realmente acontece? “Faça o que eu falo, não faça o que eu faço” é muito mais comum do que parece.
Em uma situação na qual alguém comete um erro, principalmente quando é algo público, parece natural que um indivíduo leve a culpa. Mas como líderes, devemos lutar contra esse instinto e nos perguntar como aquele problema aconteceu, como ele poderia ter sido evitado e quais ações serão tomadas agora que o erro já aconteceu. O erro pode ter sido de outra pessoa, mas como líderança, o erro também faz parte da nossa responsabilidade.
O fato de não direcionar a culpa e aceitar a responsabilidade encoraja uma cultura de abertura.
“Quando cometo um erro, quero que todos saibam que não é preciso mentir para manter seus trabalhos, problemas acontecem e estamos aqui juntos para resolvê-los.”
[5] Confie em estelas, mas mantenha autoridade
Uma das partes mais desafiadoras do trabalho do Toto é fazer a gestão dos pilotos. Para a F1 ainda é mais complicado porque os pilotos tem 2 objetivos, o campeonato de pilotos e o de construtores, então grande parte das vezes querem ganhar do seu companheiro de equipe.
Em uma entrevista Lewis Hamilton comentou que existem equipes que gostariam que seus corredores fossem para a cama às 10 da noite e não fizessem mais nada além de correr. Para ele é diferente, a criatividade faz parte da maneira que ele trabalha, se envolvendo com moda e música por exemplo.
Sabendo disso, Hamilton e Toto tem um acordo na qual um dos lados performa na pista, enquanto o outro cria um ambiente que permita que isso seja possível. É uma relação de confiança de ambas as partes, uma vez que eles querem chegar no mesmo lugar.
Mesmo que os pilotos tenham autonomia, como líder ele também não tem medo de se impor quando uma situação adversa acontece.
No Grand Prix de Barcelona em 2016, os dois pilotos da equipe colidiram, estragando com o final de semana inteira da equipe.
“Os dois estavam colocando seus objetivos na frente dos objetivos da equipe e esqueceram de respeitar as centenas de pessoas que estavam trabalhando por aquilo.”
Na ocasião Toto fez com que os dois pilotos, Hamilton e Rosberg na época, fossem se encontrar com a equipe toda e olhar quantas pessoas ficaram na mão por conta de um acidente que ocorreu por egoísmo das duas partes.
Complementou dizendo que da próxima vez que algo assim acontecesse, para que se lembrarem de todos esses rostos estavam lá naquele momento, então pensariam duas vezes antes de estragar outro final de semana.
Existe um grande respeito por ambas as partes, mas todos estão lá por um objetivo em comum, então que ele não hesitaria em tirar um dos pilotos da equipe se um incidente como este se repetisse.
Claro que todos cometem erros, até os melhores do mundo, mas todos precisam saber seus limites e obrigações.
[6] Não seja complacente
Na Mercedes a cultura criada é a de que eles não gostam de perder e fariam tudo para evitar a humilhação de perder.
Em 2018 o piloto da Ferrari, Sebastian Vettel, venceu a corrida no Reino Unido e na celebração de rádio ele disse em italiano “nós vencemos a corrida na casa deles”. Isso foi um insulto tão grande que foi a melhor coisa que aconteceu para motivar a equipe para rever tudo que havia acontecido. O resultado? A Mercedes foi campeã naquele mesmo ano.
“Para mim o prazer da vitória é menos intenso do que a dor da derrota.”
Para todos os novos executivos que quiseram se juntar à Mercedes sabiam desde o começo que essa a é a cultura e é isso que fez deles campeões 8 vezes consecutivas.
A equipe sempre relembra que as outras equipes são muito boas e que quando perdem sentem a mesma motivação em melhorar para superarem os adversários. É por esse motivo que sempre estão em busca de mais análises de dados, mais horas de simulação, mais horas analisando erros e acertos nas corridas.
Uma maneira que Toto encontrou para encorajar sua equipe foi incentivar que todos procurem os responsáveis pelas mesmas funções nas equipes adversárias e então se proponha a ultrapassá-los nos resultados.
Em um email enviado por ele antes da temporada de 2021, sabendo que a performance do carro deles estava abaixo das outras equipes, essa mensagem fica clara. Colocando a equipe da Red Bull como o time a ser batido, Toto fez questão de acrescentar
Não importa qual departamento você faz parte, você faz diferença na nossa performance nessa e em todas as temporadas que estão por vir, se fizermos um trabalho melhor que a equipe deles. Nunca subestime nossa força como um grupo que foca na mesma missão.
Como o presidente da Mercedes sempre ressalta “Uma diferença de um milésimo de segundo por volta decide quem é o campeão, então todas as voltas importam.”.
Depois de anos olhando para os outros como equipes a serem batidas, depois de 8 anos consecutivos, a Mercedes passou a ser a equipe a ser batida, mas ela nunca abandonou a mesma mentalidade de ultrapassar a performance dos adversários.
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