Mudando o jogo: Estratégias de Game Design aplicadas a Software
A cada novo dia a utilização de softwares se torna muito mais do que comum, os softwares realmente fazem parte do nosso trabalho no dia-a-dia - ou melhor - se tornaram o nosso trabalho.
Com o crescimento do mercado Saas, hoje você pode contar com milhões e milhões de soluções e destacar o seu software se torna muito, mas muito mais complexo.
Recentemente, comecei a utilizar o SuperHuman, software para gerenciamento de e-mails e é impossível você não ficar deslumbrado com a qualidade da experiência proposta ao usuário, foi então que ao mergulhar no Google encontrei diversas visões e estratégias do fundador e CEO da Superhuman, Rahul Vohra, explicando que a experiência do produto foi construída através das estratégias utilizadas para construir jogos.
Essas “estratégias de construção de jogos” é chamada oficialmente de Game Design, e antes de falarmos sobre as estratégias é importante pontuar: Game Design não é Gamification.
Game Design é muito mais do que alguns níveis, troféus ou prêmios para o usuário. A estratégia de gamification foi criada em 2002 por Nick Pelling, mas não funcionou da forma como planejado.
🙂 Entendendo as Motivações Humanas
Em 1970, pesquisadores de Stanford recrutaram 50 crianças, com idades entre 3 e 4 anos. Todas essas crianças foram informadas que elas passariam por um desafio que envolveria desenhar, porém algumas das crianças foram informadas que receberiam alguma recompensa. Já a outra parte das crianças não foram informadas sobre nenhuma recompensa. Após as instruções os dois grupos de crianças foram convidadas a desenharem por 6 minutos e ao final o grupo das recompensas receberiam o prêmio e o outro grupo nada, como combinado.
Nos dias seguintes, eles foram observados para ver o quanto continuariam a desenhar sozinhos. As crianças que não receberam recompensa passaram 17% do tempo desenhando. Mas as crianças que receberam uma recompensa gastaram apenas 8% do tempo desenhando. A recompensa reduziu pela metade sua motivação.
🤩 O poder da motivação intrínseca
Os pesquisadores distinguiram entre as crianças dois tipos de motivação, a intrínseca e a extrínseca.
A motivação intrínseca, nos estimula a fazermos uma atividade porque as achamos satisfatórias e interessantes.
A motivação extrínseca, nos estimula a fazermos uma atividade para alcançarmos recompensas.
E este é o grande problema com recompensas – elas acabam com a motivação intrínseca e é também por este motivo que a gamificação não funciona. Quando a gamificação está funcionando, é porque a experiência já se tornou um jogo, mesmo sem desejar.
Para criar bons jogos, é necessário usarmos a arte, a ciência da psicologia, a matemática, UI e também precisamos de uma excelente narrativa.
Para criarmos um bom jogo - e agora também produto - é necessário olharmos para 5 pontos: Objetivos, Emoções, Controles, Brinquedos e o Fluxo.
1. Objetivos
2. Emoções
3. Controles
4. Brinquedos
5. Fluxo
🎯 Objetivos
Jogos precisam de objetivos. Na verdade, os objetivos são uma característica decisiva dos jogos, mas não podemos ter apenas objetivos. Precisamos propor excelentes objetivos que sejam concretos, alcançáveis e recompensadores.
Usando a Superhuman como exemplo, o objetivo é muito claro: chegar ao Inbox Zero. Mas o objetivo também deve ser alcançável, e é por isso que eles ensinam os usuários através de uma chamada em vídeo.
Para usar a Superhuman, antes, você precisa fazer a tal da chamada ao vivo - em formato onboarding. Nesta chamada você aprende como chegar ao Inbox Zero (resolver todos os seus e-mails) de uma forma rápida… Porém, o objetivo também deve ser recompensador. Quando você atinge o Inbox Zero, a experiência é a de baixo: Interessante, tranquila e satisfatória.
A maioria das metas nos Softwares não é muito clara, na verdade poucos softwares te entregam objetivos realmente claros. E se forem claros, geralmente não são recompensadores e por muitas vezes intangível. Isso nos leva ao primeiro princípio do Game Design:
1. Crie metas concretas, alcançáveis e recompensadoras
Os melhores jogos criam emoções fortes porque as emoções são a base da nossa memória. Devemos, portanto, ser capazes de analisar a emoção. Para isso, precisamos de vocabulário.
Existem muitos modelos de emoção humana. A mais famosa é a roda de Plutchik. Plutchik identificou 8 emoções centrais, com emoções opostas umas às outras. Por exemplo, a alegria é o oposto da dor.
Você pode misturar emoções adjacentes para criar novos sentimentos complexos. Por exemplo, quando você combina alegria e expectativa, obtém otimismo. Quando você combina alegria e confiança, obtém amor. 🧡
Por mais que a roda de Plutchik traga insights interessantes, é necessário termos um vocabulário muito mais rico do que o oferecido. As emoções que estamos buscando são muito mais sutis. Abaixo é modelo do Junto Institute, que contém os detalhes que precisamos.
Você pode projetar o seu produto para gera entusiasmo e emoção. Os seus usuários vão até o seu software animados para usar o seu produto, e o seu produto pode entregar esperança e otimismo.
No caso da Superhuman, por exemplo, o produto apresenta propositalmente imagens serenas e pacíficas, imagens que criam uma sensação de saudade e sentimentalismo, imagens que até surpreendem e inspiram uma sensação de admiração.
Você pode usar a roda da Junto Institute para remover emoções. Muitas pessoas chegam ao seu produto se sentindo impotentes, ansiosos, irritados, culpados e até impotentes. E isto nos leva ao nosso segundo princípio do Game Design: Crie um design para gerar emoções positivas.
2. Design gerando emoções positivas
Os comandos são uma das principais razões do sucesso de um jogo.
Imagine que você está jogando Street Fighter, Fifa ou CupHead. É simplesmente frustrante quando o jogo ignora os seus comandos e você perde. Mas este - infelizmente - é o status quo dos softwares hoje.
Por isso é importante que você maximize a sensação de poder e a satisfação do seu usuário, e isto nos leva a terceira estratégia de Game Design.
3. Funcionalidades são brinquedos
Os brinquedos são diferentes dos jogos. A bola pode ser considerada um brinquedo, mas o futebol é o jogo. Os melhores jogos possuem brinquedos como parte de sua dinâmica. Desta forma é possível criar diversão em vários níveis, no nível do brinquedo e também dentro do próprio jogo.
Em software esta relação se cria com as funcionalidade, na Superhuman é com o auto-complete, na HubSpot é com os fluxos de automação, na Miro é com os painéis interativos e assim por diante.
Esta funcionalidade deve criar a curiosidade do usuário explorar, testar e criar hipóteses inimagináveis sobre como é possível usar a sua funcionalidade.
4. Faça brinquedos divertidos e adicione ao jogo
O seu produto é divertido sem um objetivo? Ele proporciona momentos de exploração? Cria momentos agradáveis? Se respondeu sim, então você está construindo um grande jogo.
Os 4 fatores anteriores são críticos para um bom Game Design. O Fluxo é talvez o menos compreendido. Fluxo é a concentração intensa e focada no presente. O fluxo é tão forte que faz com que não paremos para pensar no passado ou futuro. O fluxo é tão exigente que não nos importamos com o que os outros pensam sobre nós. O fluxo é tão fácil que sempre sabemos o que fazer a seguir. O fluxo é tão poderoso que perdemos a noção do tempo. Ele pode durar um instante ou se estender para o infinito. E o fluxo é tão gratificante que nossas atividades se tornam intrinsecamente motivadoras, o que, como já sabemos, é a forma mais poderosa e eficaz de motivação.
Um exemplo? Se lembre da última vez que rolou o seu feed do TikTok, Shorts ou Reels e passou minutos ou até mesmo horas neste fluxo.
Em outras palavras, o fluxo é ótimo para o seu produto, para criar um bom fluxo considere os seguintes passos:
O seu usuário deve saber o que fazer em seguida.
O seu usuário deve saber como fazer.
Você tem que criar um ambiente sem distrações.
Proponha uma experiência claro e imediata.
Crie um equilíbrio entre desafio e habilidade necessária.
Criar uma relação entre desafio e a habilidade é necessário, porém complexo. Se a atividade for muito difícil, você criará ansiedade no usuário. Se a atividade for muito fácil, você criará tédio. Para criar um bom fluxo, construa um desafio e que precisa de habilidade para ser resolvido.
5. Torne a próxima ação óbvia
Imagine jogar um jogo sem saber o que faz cada botão, sem o objetivo explícito na tela e sem a opção de consultar os comandos apertando o botão start?
Por isto que a segunda tarefa para criar um bom fluxo é o usuário saber como fazer o próximo passo do seu produto e isto ressalta a importância de um bom Onboarding e de boas comunicações dentro do produto.
7. Crie um equilíbrio entre desafio e habilidade necessária.
Criar um equilíbrio entre o desafio e a habilidade necessária é algo que faz jogos e produtos se tornarem incríveis. Quantas vezes você já foi consultar alguém sobre como usar determinado produto, ou melhor: Foi consultado e se sentiu um expert naquilo?
No gráfico acima, a linha vertical apresenta o desafio proposto e a linha horizontal apresenta a habilidade necessária, pense sobre o desafio do seu produto e sobre as habilidades necessárias que ele propõem e como um hard user se sente ao se especializar em seu produto.
O fluxo é tão importante que, na verdade, nos dá 3 princípios a serem seguidos: tornar a próxima ação óbvia, criar uma experiência clara e imediatamente e sem distração e equilibrar habilidade percebida com desafio percebido. Isso pode significar contra-intuitivamente tornar seus produtos mais difíceis de usar, mas lembre-se dos sucessos que se tornaram a Superhuman, HubSpot, SalesForce e a Webflow.
O objetivo deste conteúdo é te ajudar a criar estratégias que façam os seus usuários a ficarem intrinsecamente motivados. Eles usarão o produto, não só porque precisam, mas porque acham ele simplesmente fantástico, interessante e satisfatório. Com esses 7 princípios, você pode criar produtos únicos, incríveis, mágicos e que fundamentalmente são jogos.